quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Meu pequeno sapinho

Capítulo sétimo...

Naquele momento em que havia o destino quebrado o encanto de seu relacionamento podia ver no vai e vem das ruas dezenas de casais juntos, indo e vindo passeando apaixonados. Aquelas cenas lhe trouxeram mais tristeza, e aquilo lhe era visto como tortura. De volta à casa de seus pais, sentiu-se estranha em seu próprio quarto, tão acostumada ao espaço dividido com o outro. Sete dias, sete dias para se acostumar novamente com aquele colchão.

Em uma das primeiras noites perdera o sono, olhar fixo, perdido no teto envernizado.

–Não posso está tão errada assim, eu não sou a errada, não dessa vez. Pensava em silêncio enquanto descascava das unhas um esmalte já velho. –Como será que deve está as coisas no apartamento Marte? Indagou colocando os olhos no peludo que dormia próximo a porta.

Faziam duas longas semanas da sua saída do apartamento. Elis continuava a vender seus tênis, após ter vendido mais um naquele fim de tarde decidiu ficar na rua por mais um tempo dando voltas com Lizy enquanto conversavam.

-Então foi assim, você saiu de lá e não sabe se tem volta? Mas eu não entendo vocês se dão tão bem Elis...

-Eu realmente não sei Lizy o que vai acontecer. Eu tenho achado tão estranho a casa de meus pais, minha rotina mudou, o dinheiro dos tênis sobra, porque lá eu não compro nada, sabe o que fiz? Coloquei um dinheiro num cofre que achei no armário. Sorriram. Eu só queria que tudo fosse um pesadelo!

-Eu sei Elis! E o Marte, ele ficou com o Nino?

-Não, eu o trouxe. Como o Nino passa o dia fora ele ficaria muito só! Se souber de notícias dele me diz, se o Jorge falar com ele ou o Gim!

-Aviso sim Elis, mas vocês não têm nem telefonado?

-Não.

-Isso é passageiro, você vai ver, logo vai voltar para lá e tudo recomeça! Hoje tem cinema no Big John que tal?

-Ótima distração!

***

Noite de cinema no Big John era uma noite bem movimentada. A tela grande no centro do bar atraia a atenção dos que chegavam e ocupavam lugares nas mesas, todos ansiosos em descobrir naquele nada branco qual seria o filme da noite. Elis encontrou a alegria dos amigos numa das mesas bem próximo da tela para não perderem um só detalhe das imagens.

O filme da noite fora anunciado e logo o Big John era silêncio total. –Essa noite no Cine Big John vamos viajar nas imagens de “Assédio”, filme de Bernardo Bertolucci. Era filme conhecido por Elis e seus olhos estavam ansiosos para rever aquelas cenas novamente.

A música africana cantada quase como um grito de desespero no início do filme penetrava fundo nos ouvidos de todos no bar, desde os que estavam no fundo até aqueles da frente envolvidos nas imagens de olhares tristes e sofridos por uma repressão. Elis perdeu-se dentro daquelas imagens era um de seus filmes preferidos, e não deixava de lembrar cada cena que ainda estava por vir.

No fundo do bar silenciosamente ainda chevagam algumas pessoas, entre elas Nino que ocupou um lugar no fundo, pois não havia como ficar mais próximo da tela, estava cheio. Seus olhos encontraram aquelas cenas pela primeira vez, estava profundamente atento ali, preso a novas cenas, e nem percebera os amigos e Elis mais na frente.

As luzes voltaram a iluminar todo o bar revelando rostos surpresos com o desfecho do filme, alguns copos ainda cheios abandonados pela atenção que fora toda depositada nas cenas que agora acabavam. Era como se todos despertassem de um sonho, se desligavam da envolvente história da moça e o pianista e voltavam a pensar em sua vida real e sua cerveja já quente e esquecida.

Elis voltou-se para trás procurando Gim, mas seus olhos encontraram longe e ao mesmo tempo tão próximo o velho e conhecido rosto do Pequeno sapinho. Seus lábios tremeram em dúvida, se um sorriso ou um aceno distante. Seus pés e sua bomba no peito pediam que se aproximassem, mas não se sentia segura para um passo.

– Nino, senta aqui, nem tá bebendo nada! Gim gritou para o amigo no fundo do bar, ainda com surpresa espalhada em cada ponto de sua face, Nino levantou-se e juntou-se aos amigos e Elis.

–Viu o filme ou chegou agora? Indagou Lizy ao amigo que ocupou um lugar na mesa.

–Vir o filme todo. Os olhares de Gim, Lizy e Jorge comunicavam-se silenciosamente, não deixavam de analisar a falta de atitudes de Elis e Nino. Pareciam medrosos de encontrarem o olhar um do outro, sem palavras certas para dizer. Mas o cumprimento devia ser feito ambos desejavam o fazer e o fizeram.

-Nino...

-Elis e ai como vai?

-Bem, e você como estão as coisas?

-Tudo bem. Procuravam mais palavras para a conversa, fugindo dos olhos da outra que eram fixos nele. E o Marte, como está?

-Ele está bem. Sorriu um riso tímido, de lábios trêmulos. O outro deixou nascer nos lábios o sorriso esperado por Elis, esse sorriso que há dias não via em real, somente projetado em pensamentos, lembranças, sonhos.

A conversa jogada fora na roda de amigos ecoava na cabeça de Nino como música de fundo em sua cena da vida real. Não deixou de reparar nos traços que desenhavam o rosto de Elis, o olhar penetrado na conversa, pulando de amigo em amigo, de quando em quando deixando nascer um sorriso que não era o seu natural. Aquele era simples, distraído.

As maçãs rosadas, as pálpebras que brilhavam levemente, tudo eram fotografadas por ele. Ali ao seu lado, Elis sorrindo conversas de outros, borboleteava em seus pensamentos. Segurava seus olhos curiosos em analisar o outro, tentar descobrir como realmente estava passando; olhar que se esforçava para capturar aquela imagem discretamente. Em momento de distração e risos descobriu no outro um riso forçado, ou mesmo usado para disfarçar sua falta de jeito naquele momento e os pensamentos que vagueavam na mente. Elis daria moedas de ouro para descobrir o que se passava naquela cabeça pensante.

Eram onze, quando Nino decidiu ir embora acordaria cedo no dia seguinte para o trabalho, seus amigos concordaram, pois também tinham compromisso no dia seguinte. Gim reclamava que estava cedo para partir e que a noite escura iluminada por vários bares ainda pedia mais curtição. Elis e ele seguiriam juntos.

Abraços trocados na frente do Big John pelos amigos na despedida, discretamente olhares que se procuravam e encontravam-se entre um abraço e outro. Nino aproximou-se de Elis para cumprimentá-la, ofereceu seus braços a outra que o envolveu nos seus. Sentiram a saudade no aperto daquele abraço, enganavam a si próprios quando não encaravam um ao outro ou quando não trocaram tantas palavras na mesa. Mas, ao sentimento esse eles não enganavam. A luz nervosa do poste que os iluminavam rapidamente apagou e ascendeu, atraindo risos dos amigos, e surpresa dos dois que como num piscar de olhos viram desaparecer e aparecer seus rostos.

–Que energia! Gim e seus comentários brincalhões tiraram risos de todos.

–Até mais, boa noite! Despediram-se e seguiram para suas casas.

Aquele último encontro no Big John parecia ter sido desenhado pelo destino a favor de Elis e Nino. Não deixaram de pensar neles após aquele reencontro, e apesar de ter ficado escondido no fundo de suas mentes o desejo de permanecer um pouco mais, observar mais um ao outro e aproximar suas mãos, despediram-se naquela noite deixando partir junto com eles essa vontade de entregar-se novamente.

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