sábado, 27 de novembro de 2010

Livre


Me sinto velha, às vezes, principalmente quando me imagino distante do mundo em que vivo, diferente de tudo, de todos. Então os meus olhos parecem pesados na face envelhecida, cansada, como se já tivesse vivido vinte anos a mais do que tenho. Mas, ultimamente essa sensação de velhice me esqueceu e não tem me visitado. Agradeço, fique onde está!

Transformou-se em pó aquela vontade de entrar em um trem e desaparecer por um tempo, viajar em trilhos desconhecidos e distantes. Nasce a vontade de encontrar todos ao mesmo tempo e com todos dividir tudo, conhecer un peu de choses e rir juntos.

Me lembro da vontade que me dava de me atirar no mar de vez em quando, não com intenção suicida, mas procurando um pouco de liberdade, sei lá, mesmo que por pouco tempo. Longe do barulho de tudo, todos, das cobranças, das perguntas quando na verdade só queria um pouco de silêncio.

Me sinto distante dessa vontade, sim, ainda tenho vontade de me atirar no mar, mas só isso. Sinto que as coisas mudaram de uns dias para cá, e me deixa contente.

Ando contente. Apesar das palavras de ofensas e toda a água de mágoa que me cercou há dias atrás, me permito esquecer, pois sei que as coisas não voltam a ser como eram, quando uma casa cai, ela nunca é reconstruída da mesma maneira, mas não significa que não ficará de pé novamente. Por isso ainda ecoa em minha cabeça as palavras sabias que ouvir de alguém dias atrás: “Não vale à pena”. O tempo passa e é melhor seguir.

Os domingos. Nossa os domingos, aqueles dias tão tristes, eles mudaram um pouco, já não são desertos e sem sorrisos como antes, um novo círculo me leva, ás vezes, e os encontros simples de boas risadas e conversas, um pouco de tinto. Na verdade é preciso confessar que invadir certo grupo de amigos e como fui bem acolhida, desde já agradeço a ótima recepção meus queridos!

Acho que finalmente cresci. Começo a entender que pessoas são apenas pessoas e me descubro igual a elas de duas maneiras: As pessoas têm lados bons e ruins. Preto e branco. Não somos de todo mal e nem somos de todo bem.

Entendo melhor que nem todos podem pensar como eu, que existem os que desejam viver a vida dos outros e aqueles que desejam viver suas vidas. Eu estou nesse último grupo e preciso entender o primeiro para continuar próxima das pessoas que gosto.

Me sinto livre finalmente, livre de mim mesma, de um tempo longo que passei apenas eu e eu e momentos estranhos na minhas costas. Me sinto livre e terei essa certeza a cada dia que o sol vier e partir novamente.

Li em algum lugar certo dia, recentemente: “Tenho dezenove anos, é tempo de fazer alguma coisa. Talvez eu tenha medo demais, e isso chama-se covardia”.

Viverei mais, farei mais parte do mundo em que todos vivem.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Momento Espanca: "Eu"

Eu ...

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho,e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

(Florbela Espanca)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Do texto : "Em busca de um novo rumo"








"Na linguagem dos símbolos, a âncora, definindo a esperança, nunca poderá valer as asas, que são a libertação. A âncora agarra-se ao fundo e fica, as asas abrem-se no espaço e penetram no céu. Seria aviador! E foi."

(Florbela Espanca)


Melhor voar então...

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A Grande Pedra

Mania dos tímidos de acreditar que o mundo gira ao seu redor. Assim era ele. Silencioso e de imaginação extremamente fértil.

Imaginava, construía um mundo inteiro em sua mente. Entrou em um ônibus no meio da tarde, era uma daquelas tardes escaldantes de sol, quando o ônibus ferve feito caldeirão. Entrou, olhou os rostos de todas aquelas pessoas conversando, e ocupou um lugar vazio. A desconfiança era a sua marca de nascença, como um sinal nas costas, no peito, por todos os lados.

Ali bem próximo, dentro do ônibus havia uma moça. Ela usava óculos escuros, daqueles que cobrem todo o olho e um pouco da testa, os famosos óculos no estilo besourão. Ela cochichava com a amiga ao lado, entre risos discretos. A segunda olhou para ele enquanto ainda mantia o riso de um comentário engraçado.

Cismou. Foi o suficiente para que em poucos segundos escrevesse o roteiro daquela história. Pensava se estava com alguma mancha no rosto, havia acabado de trabalhar com tintas, depois ainda se havia algo errado com seu cabelo. Mas, do que é que estão rindo?Odeio pessoas indiscretas, nem na hora de fazer comentários sobre os outros conseguem disfarçar. Conversava consigo mesmo, acreditava que falavam dele.

Não sabia mais como se colocar ali naquele assento estreito, desviou a atenção para além da janela, naquela idéia de que “o que os olhos não ver o coração não sente”, mas foi inútil. Sua neura só lhe deixou em paz quando ouviu forte o sinal de parada e os passos do salto alto desceram. Relaxou.

***

Era uma amanhã doce, um friozinho agradável passeava pela cidade quando ele deixou a casa para mais um dia de trabalho. Trabalhava em uma loja de CDs, o que era esquisito, pois que, nos tempos em que estamos quem compra CDs?

De vez em quando um ou outro evangélico catando um cd gospel ou uma noveleira de plantão procurando o novo cd internacional da novela global com a Ximenes na capa. Mas, naquela manhã foi diferente.

Uma moça cruzou a entrada a entrada da loja, trajando um vestido e tênis. Dois colegas dele logo se colocaram a disposição para atender a garota, mas apenas um o fez, enquanto ela entre uma palavra e outra lançava uns olhares discretos para o balcão onde estava o nosso personagem.

Ele havia notado a moça e seu tênis xadrez assim que ela atravessou a entrada, mas a pedra, a grande pedra não lhe permitiu observá-la por mais uma vez. Nem percebeu que ela não parava de admirá-lo de longe, enquanto seu colega a atendia com todo o interesse de um rapaz ousado.

Decidiu então por um cd do Nelson Gonçalves, disse que era para seu avô que estava fazendo aniversário, deixou o atendente e foi até ao caixa. Primeiro contato com o tímido do balcão.

Ela sorriu, ele também. Mecanicamente foi registrando a compra da moça e fazendo seu trabalho, com a pedra lhe matando a coragem de dizer um, olá, com mais interesse e naturalidade.

Obrigada! Ela lhe disse com um sorriso agora mais contido e se foi. Ele então pôde observá-la com mais coragem, quando ela já não podia perceber. Seus colegas sem entender nada daquela cena aproximaram-se todos de uma só vez em cima do caixa, perguntavam o que aconteceu, por que ele não aproveitou para conversar mais com a moça do tênis xadrez. A pedra não deixou. Respondeu.