quinta-feira, 8 de março de 2012

Máscaras

Os olhos dela estavam úmidos e perdidos desde a noite anterior, quando voltara da rua.  Fred não entendia o que estava acontecendo, o silêncio de Inês o preocupava. Perguntou durante o jantar, entre garfadas e copos d’água o que se passava, mas Inês não respondeu. Depois, antes de descansarem a cabeça no travesseiro, Fred repetiu a pergunta e Inês apenas tocou os seus lábios no rosto dele e deitou-se.

Na manhã seguinte, ela ainda possuía aquele olhar triste, sentada no sofá com as pernas dobradas em pose de meditação, seus ombros caídos acompanhavam a tristeza de seu rosto. Estava mergulhada em pensamentos secretos, esse objeto de desejo de Fred que a observava de pé na porta. Notou as unhas curtas da outra, seu movimento quando lentamente sua cabeça baixou e em poucos minutos levantou.

 Fred aproximou-se, sentou na outra ponta do sofá assistindo a distância de Inês, que parecia ter entrado em outro mundo e estava cada vez mais se perdendo. Não conseguia suportar aquele comportamento dela sem fazer nada, pois antes de pegar no sono, na noite anterior e ao acordar, pensou diversas vezes em uma resposta para tudo aquilo e nada lhe veio.

Aproximou-se mais um pouco da outra, sua mão pousou em uma das pernas dela que logo respondeu com aquele olhar úmido. Ele disse tocando seu rosto: - O que tem? Não pode ficar assim em silêncio, me torturando, nem sei se sou responsável por isso.

Inês respirou, desviou seus olhos dele, balançou a cabeça negando a dúvida de Fred.

- Então, diz Inês, porque estou ficando preocupado demais com você. Fred tocou as mãos dela, queria que sentisse segurança e falasse sobre sua tristeza. A abraçou e sentiu o seu corpo quente e seus cabelos estavam perfumados, depois voltou a olhar para ela que respirou e disse:

- Estou magoada, estou decepcionada, me sinto enganada, sabe? Eu poderia quebrar tudo, eu poderia xingar todos, eu poderia gritar, mas não consegui.

- Como assim? Lhe fizeram mal? Brigou com alguém?

- Briguei com o mundo Fred, eu não entendo porque que todos têm sempre que ser cruéis, fofoqueiros, maldosos, egoístas? Me diz? Por que todo mundo está sempre procurando um espaço para derrubar o outro?

- O mundo é assim Inês, você devia parar de acreditar que todo mundo é uma boa pessoa, elas não são, até nós mesmos podemos não ser. Mas me diz o que aconteceu que você voltou para casa com essa revolta?

- Nada diretamente comigo, eu devia ser menos observadora, nesse momento eu queria ser um pouco cega para não ver alguns tentando destruir outros.

- Entenda uma coisa Inês, todo mundo fala de todo mundo, ninguém é perfeito e as pessoas sempre procuram perfeição e todos querem ser perfeitos, mas isso não existe, só em nossa imaginação. Quando a gente se apaixona, por exemplo, a gente não conhece o outro, a gente conhece o que a gente constrói do outro e mais tarde quando os verdadeiros defeitos dele aparecem e temos de lhe dá com eles, ai sim descobrimos se o amamos mesmo. Estou tentando dizer a você que não viva tanto mergulhada em outro mundo, não acredite tanto nesse mundo, você tem de saber a verdade sobre o mundo em que vivemos e precisa se acostumar com ele. E daí se os outros estão se comendo vivos, participando de um teatro todos os dias, rindo um com os outros em uma sala e dando tapinha nas costas e depois ao atravessarem a porta despejam veneno uns nos outros? E daí? Você tem que colocar sua máscara e participar do teatro ou você não sobreviverá. Entende?

Inês ouvia as palavras de Fred sem tirar os olhos dos castanhos dele, ela acreditava no que ele dizia, estava mais calma quanto a sua revolta, mas não aceitava a crueldade do mundo. Segurou as mãos dele e lhe beijou a testa, Fred sentiu que estava lhe devolvendo a paz e desejava ver Inês com um sorriso no rosto novamente.

- Tudo bem, vou tentar.








Incompreendida

Amava muitas coisas e odiava muitas outras, pensava que se listasse tudo não caberia na página em branco em sua mente. Achava lindo viver, mas compreendia que era muito difícil. Todos os dias era momento de se transformar, tirar a casca velha que lhe cobria e renascer, excluir defeitos, desconstruir-se e reconstruir-se. Estava aprendendo a viver.

A fase de tentar compreender as coisas havia passado e agora se perdia na tentativa diária de saber viver. Só então entendia a angústia de ser um personagem de Clarice Lispector.

Viver não é fácil meu bem, mas vai e tenta. Desafiava a si mesma todos os dias.

Sentia que os outros não a compreendia e aqueles que demonstravam a compreender, certamente a interpretavam errado e isso lhe doía os pensamentos. Não pensar, às vezes, era bem mais fácil (mas era difícil se privar de pensar, pensar em não pensar já está pensando), o bombardeamento de pensamentos lhe colocava em situações complicadas, em conflito consigo mesma e era a pior das situações.

Carregava um mundo dentro de si onde tudo era mais intenso, sonhos, desejos, dores, tristezas. Se perdia dentro dela e voltava cheia de dúvidas e ansiedade. Sorridente, meio perdida, pobre de concentração.

Pensava como certos sentimentos eram tão particulares, quando do início de uma paixão, por exemplo, sente-se indescritível, algo como uma alegria que cresce aos poucos. E ainda que outros conheçam aquele sentir, cada sentir, em cada corpo e coração é inexplicavelmente particular.

E tudo isso, do que diz respeito a sentimento não está para entender e sim para sentir e era o que fazia. Quando se pegasse tentando se perder ao querer explicar para si mesma uma palavra de ternura trocada, um toque na mão e um sorriso nos lábios, não pensaria, mas sentiria com corpo e alma.

Não queria nada do passado, desejava o mundo do presente, mas entendia que não podia abraçar tudo de uma só vez. Do futuro não sabia e preferia não pensar, mas era inevitável.

Acreditava mais no bem que no mal, o que a tornava ingênua. Para ela a política separava as pessoas, ela tão pacífica, tão quieta, detestava que a colorissem, ela que só tinha um lado, o dela mesma. Ela que acreditava e defendia os direitos da mulher se irritava com a ausência de união entre elas, com a inveja e outros sentimentos ruins que muitas alimentavam umas pelas outras.

E ser mulher era outra aprendizagem. O que era para ela ser mulher?

Era jovem ainda, mas pensava nas palavras de seus pais sobre o futuro. “Quando você for mãe irá entender”. Essa frase se confirmará mais tarde, ela sabia e se preparava para ter seus pensamentos amadurecidos no futuro, mas por enquanto ainda era cedo.

Boba, sentimental, seus olhos se emocionaram diante de algumas crianças em festa em apresentação folclórica, e parava encantada enquanto para os outros era algo comum. Bonito, mas comum.

Em dias de espírito doente sentia o mundo feio e contra ele ficava, sentia uma dor que vinha de dentro e que lhe deixava sem muitas palavras e lhe roubava a calma. Sentia vontade de fugir e esconder-se até acalmar tudo e entendia que era dentro de si que precisava resolver as coisas, lá fora tudo estava como sempre, as pessoas usando suas máscaras e lutando uns contra os outros, alguns até vivendo felizes, outros apenas fingindo.

E para sobreviver a dias como esses era preciso colocar a armadura, pois que fazia parte do mundo e precisava participar dele, querendo ou não, havia obrigações a cumprir. Quando o dia acabasse, estaria segura em casa e tudo seria colorido novamente.






sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Eles





- Sou teu homem agora e a amo. Ele disse a ela, sentindo como se trocasse de lugar. Lembrava que sempre ouvira outras mulheres dizer assim a um homem: Eu sou tua. Ou um homem dizer: Minha mulher. E de imediato ela confirmar: Sim sou tua mulher. Mas, nesse caso, disse a ela sendo abraçado pelos braços femininos, que era dela.

- Sim, é meu e te amarei sempre. E eu sou tua, estou me dando pra você. Beijava os cabelos do homem abraçado ao seu corpo.

- E não tem medo?

- Sim. Tenho medo de voltar a ser a de antes, tenho medo de não poder viver tudo isso. Eu quero sentir. Mas isso depende de nós, principalmente de mim. Não quero dizer que estou no comando ou que você faz o que quero, não é isso que quero dizer. Entre nós desejo igualdade, respeito e amor. Digo isso, pois sou vilã de mim mesma e tenho medo de me atrapalhar e não me permitir, mas como nova mulher isso não vai acontecer. Irei me proteger e lhe peço paciência, estou em momento de transformação todos os dias, em aprendizagem. Eu estou aprendendo a ser mulher. Seus olhos diziam para ele.

E assim esperava que ele tomasse conta dela, pois ela cuidaria dele, porém precisava mais de cuidados que ele. Desejava que ele a protegesse do mal invisível que era a tristeza e também dela mesma, quando viesse a ser sua vilã. Ela segurou sua mão e ali estava o seu porto e um marinheiro que não partiria.

Regaria todos os dias aquele sentir para que criasse raízes e desenvolvesse, crescesse dentro deles se estendendo para fora.

Tudo aquilo era muito mais particular para ela do que ele imaginava. Havia passado por um longo caminho até chegar ali, e ainda que quisesse que ele conhecesse aquela história, preferia não contar. Ele talvez não entendesse. Talvez mais tarde em um momento maior ele compreendesse e encontrasse beleza em tudo o que guardava.

Ela sorriu para ele e tudo era real.