segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Godard, eu não desisto!- Parte III: Pierrot, le fou






Pierrot, le fou (1965) é poesia, mas também música, pintura, cinema, principalmente literatura. P-o-e-s-i-a.

O filme está repleto de referências e a maior delas é o poeta de espírito revolucionário Arthur Rimbaud, o que explica a identificação do cineasta com o escritor.

Bebi do artigo “Escrever com a câmera” de Mário Alves Coutinho, pois que não conheço a vida e a obra de Rimbaud. Segundo o autor existem traços biográficos do poeta em personagens de Pierrot, le fou, Rimbaud foi traficante de armas na África, e no filme o suposto irmão de Marianne também.

Ainda é possível identificar referências ao poeta quando o casal foge atravessando a França, abandonando a civilização, buscando a natureza, indo até a praia onde passaram a viver. O casal Ferdinand e Marianne, citam o poeta após roubar um galaxy e entrar com o carro no mar, citam o “Une saison en enfer” ou “Uma estação no inferno”:

Ferdinand: Capítulo oito...

Marianne: Uma temporada no inferno

Ferdinand: O amor está para ser reinventado

Marianne: Vida real é outra coisa.

É preciso encarar a realidade e não viver apenas da fantasia dos livros. Em outro momento do filme quando há uma discussão entre o casal, Marianne está cansada do lugar onde vivem, isolados, está cansada de enlatados, de usar o mesmo vestido. Ele quer livros, ela quer viver, quer ritmo. ...“Você me fala com as palavras, eu te olho com os sentimentos”... Ela diz.

Além de Rimbaud, Godard também faz referência a outros escritores. Marianne fala em Júlio Verne, diz que ambos já bancaram o Júlio Verne o suficiente e que precisavam voltar ao filme de gangsteres, com armas, carros rápidos, clubes noturnos.

Allan Poe também está lá citado por Ferdinand desta vez, momentos antes do assalto ao galaxy. “Ele encontrou seu duplo na rua. Ele procurou em todos os lugares para matá-lo. Uma vez que conseguiu, percebeu que tinha sido a ele próprio que ele havia matado, e o que restava era seu duplo”.

O duplo de Ferdinand seria Pierrot?

Segundo Mário Alves Coutinho, ao chamar Ferdinand durante todo o filme de Pierrot, Marianne faz referência ao amante da “Commedie dell’art” que nunca consegue o amor de volta. Será que ela prevê o fim trágico do casal?

Mas, Pierrot também é uma referência ao pintor Renoir e o seu quadro “Pierrot mascarado”. Alguns quadros do pintor ainda aparecem no apartamento onde mora Marianne, visto ainda no início do filme.

Também são dadas referências do cinema e da música, Ferdinand fala em “Johnny Guitar” e poucos minutos depois na cena em que vemos o movimento dos carros na noite parisiense na Avenida Champs Elysées ouvimos a quinta sinfonia de Beethoven.

Em Pierrot, le fou como também em outros filmes Godard brinca com a aproximação brechtiana (quando o ator se dirige ao espectador), quando o casal está indo em direção a praia com o galaxy e Ferdinand se volta para câmera e diz: Tudo o que ela pensa é diversão! E então Marianne pergunta a ele com quem ele está falando e Ferdinand/ Pierrot responde que fala com a platéia.

Preciso escrever ainda que são belíssimas as cenas em que Anna Karina canta as canções “Jamais je ne t’ai dit que je t’aimerai toujours” e “La ligne de chance”.

http://www.youtube.com/watch?v=1YeWXAmpkUI

http://www.youtube.com/watch?v=vBNn38ZNUXI&feature=related

Politique

No período em que filmes como Pierrot, le fou, La Chinoise, Duas ou três coisas que eu sei dela, foram realizados o diretor fazia parte do Grupo Dziga Vertov, na década de 60 e esse certamente foi o seu período mais político.

Apesar de toda a poesia e do romance de Ferdinand e Marianne, o diretor continua político em Pierrot, le fou, não esquece a guerra do Vietnã, o casal ouve no rádio notícias sobre a guerra.

E ainda continua apostando nas cores azul, branco e vermelho, nos remetendo a bandeira da França. Talvez o vermelho tão explorado seja o sangue derramado nas guerras.

Aqui Godard também faz critica a publicidade. Ferdinand diz ao ver um anúncio em uma revista: “Houve a civilização ateniense, houve o renascimento, e agora a civilização do traseiro”. Critica o capitalismo americano, pois não é gratuito que a marca Esso e o tigre símbolo aparecem na tela em algumas situações.

Antes de o nosso personagem principal fugir ao lado de Marianne ele vivia em uma sociedade fútil, essa que ele abandona. Pessoas que reúnem-se em festas e trocam comentários sobre carros novos, desodorante e até lingerie.

Godard foi sensível em Pierrot, le fou, o filme é poesia. Talvez porque nessa fase o diretor estava se separando da atriz Anna Karina. Talvez por ser sensível, esse filme seja o meu favorito do diretor.

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