quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Meu pequeno sapinho


Capítulo Primeiro...


Pufs coloridos no canto da sala, uma TV simples quase sempre desligada. Na parede um quadro com um desenho à lápis da Mafalda, ao lado o mundo inteiro revelado no mapa, dois lugares preferidos e ainda desejados marcados com tachinhas.

Esse era o simples lar de Nino e Elis. O desejo por independência e vontade de se unirem de ambos os levaram a juntar malas e escovas de dente em um pequeno apartamento. E assim era há seis meses.

Naquela tarde o sol queimava lá fora. Elis trabalhava sozinha em casa, espalhada no chão da sala, vários pares de tênis all stars descoloridos lhe faziam companhia aguardando a sua vez, cada par, a serem personalizados pelas mãos e imaginação da garota. Tintas e canetas pincéis coloridos eram os seus instrumentos. Com aquelas cores e sua criação os pálidos tênis ganhavam vida.

O sorriso largo e satisfeito estampado no rosto admirava mais um trabalho concluído, faltava pouco para a entrega de uma encomenda, com aquele dinheiro pagariam a água.

-Ficou genial não foi?

Mostrava orgulhosa o tênis ao cachorrinho deitado, descansando a cabeça nas patas. Não reagiu a alegria da dona, continuou ali em sua preguiça movendo apenas os olhos para cima.

-Está na hora, tenho que levar outro tênis, a coisa vai ficar menos preta por aqui Marte!

Pegou outro par de all star já personalizado guardando na caixa, descansou a bolsa no ombro e saiu abandonando a desorganização no meio da sala por uma justa causa.

-Logo o papai chega Marte e não ficará mais só. Beijos da mamãe! Despediu-se do tranqüilo bebê de quatro patas e pêlo de neve.

***

Não demorou muito para a chegada do pai de Marte. O rosto pintado, uma gota de tinta azul abaixo do olho representando uma personagem da alegria, triste. Aquele dia havia sido uma viagem ao tempo, os gritos e puxões das crianças haviam feito a cabeça de Nino, ou melhor, do tio Nino pirar. Largou o Black Power azul em um dos pufs e seguiu para a cozinha, livre das roupas coloridas, mas não do rosto circense. Serviu-se de suco enquanto era seguido pelas patas de Marte, silenciosas e carentes de atenção.

Perdeu-se em pensamentos mirando o piso, logo viu surgir a bola de pêlos que parecia sempre pedir com aqueles olhinhos inocentes.

-Está observando o meu novo disfarce parceiro, será assim mesmo que vou roubar um banco e ainda não me acusaram, pois acreditam que não sou capaz de algo tão grande!

Despejava o desabafo sobre o que o contrariava. Apesar de boa relação com sua família alguns não acreditavam em Nino, em um progresso seu, fosse em sua área de arquitetura ou em qualquer outra coisa. Acho que o Nino não conseguirá! Talvez o Nino não siga em frente com isso! Frases que sempre ouvia a seu respeito em casa de queridos de sangue.

-Querido cheguei! Anunciou a sua chegada ao trancar a porta. Elis trazia no tom de voz uma melodia de alegria, sinal de que mais um negócio havia dado certo.

Nino surgiu na sala, escoltado pelo parceiro pequenino. O sorriso estampado no rosto da outra estava e assim permaneceu ao colocar os olhos na face do namorido. Tentava conter os risinhos que pulavam de sua boca, não queria irritá-lo, imaginava o estresse dele, além do mais conhecia os seus gostos e não era tão fã de circos e palhaços.

-Como foi na festa?

-Deu para sobreviver! Descansou as costas em uma parede vazia enquanto seus olhos seguiam Elis e suas ações.

-Mas acha que...

-Sim, não foi muito, mas foi uma grana legal, não estamos tão mal assim, pelo menos agora!

-Que bom, com o dinheiro de mais um tênis deu para nos livrar da conta de água. Tudo em paz na casa dos mortais. Disse largando a bolsa no puf e foi ter com Nino, seus braços o envolveram e lábios já sem cor lhe tiraram um beijo.

A tinta branca na ponta do nariz e borrões discretos vermelhos próximos a boca de Elis arrancaram risadas de Nino, ela caiu em risos junto ao outro imaginando a obra de arte ultramoderna que estava o seu rosto. Ele deslizava os dedos na face da outra eliminando as manchas de tinta, afastou a franja que cobria a testa revelando uma marca de infância quase invisível.

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