quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Agnés, não!

PRIMEIRA PARTE

Odiava aquelas formigas subindo e descendo, esbarrando-se entre si no canto da porta. Não sabia como eliminar aquelas visitantes inconvenientes que voltaram desde o fim do inverno, observava de longe enquanto dividia o seu pensamento entre uma solução para aquelas benditas e outra coisa que o atormentava. Serviu-se de café e acendeu um cigarro, era o último da carteira.

Ouviu a porta abrir e fechar, estava de costas, de modo que não a viu entrar, mas sentia a sua presença, o perfume invadiu todo o pequeno apartamento. Trocaram um olhar frio, silencioso, com palavras engolidas. Ele sentou em uma das cadeiras da mesa estreita e ela permaneceu ali parada ainda alguns segundos, até que cansou de olhar para o mudo e percebeu as formigas, uma verdadeira população de formigas na porta. Chegou até a pia pegou o detergente e atacou as formigas com aquele líquido verde, já havia feito aquilo antes e sabia que afastariam elas por alguns minutos, mas logo estariam de volta.

Largou o detergente na mesa e ocupou também uma das cadeiras, estavam um de frente para o outro. Os olhos deles voltaram a se encontrar, mas ele não conseguiu olhar por muito tempo, enquanto ela mantia firme e fixo, quase sem piscar os olhos em cima do outro. Lábios sem sorrisos, fumaça de um cigarro quase no fim rondando ali, e o café frio na xícara. Ela queria o ouvir falar, ele queria a ouvir falar. Nenhum dos dois falaria.

As gargantas pareciam entupidas de palavras que precisavam ser ditas, ofensas precisavam ser retiradas, mas nenhum dos dois falaria.

O relógio na parede deu uma volta e meia hora havia passado, ele levantou, arrastou os pés descalços até a varanda e ficou ali em silêncio, de costas. Ouviu a porta bater novamente, ela partiu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário