quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Jules

Doce dia chuvoso! Pensou ela, com aquela pequena xícara de café entre as mãos. Diante da janela acompanhava o movimento de passos apressados e identidades protegidas por guarda-chuvas. Rapidamente sua imaginação tentava compor histórias para aqueles outros, cheios de preocupações, enquanto ela já não se preocupava mais, do lado de dentro, entre aquelas paredes silenciosas.

O ar transitava livre pelos pulmões, não havia as pausas de antes para uma reflexão sobre pequenas coisas. Há meses que decidira não se importar mais, não pensaria mais no passado, viveria o presente tranqüilamente, sem fritar ovos na cabeça, e prepararia um futuro particular sem se estressar.

Era apenas mais um dia em que guardava as palavras para não conversar com as poltronas e sentir-se um pouco louca.

Deixou o corpo descansar no sofá, as pálpebras abriam e fechavam de sete em sete segundos, olhos que viajavam perdidos na tinta de um verde suave na parede. Coisas disputavam espaço em seu pensamento, em que pensar com mais dedicação? Não havia o que fazer além de aproveitar o café que começava a esfriar entre as mãos, já não sentia tanto frio, o forro grosso da poltrona esquentava no contato com a pele.

Um rosto surgiu ali em sua frente, eram claros os traços daquela face sem nome que observava. Como não possuía nome, logo tratou de batizá-lo e Jules seria seu nome. Sim, como o personagem do filme que adorava.

Desconhecia o Eu daquele rosto na vida real, e por lhe roubar a atenção, não como forma de paixão que faz o coração bater (isso poucas vezes sentira de verdade, e havia dúvidas se havia mesmo sentido). Mas, como uma admiração, um desejo daquele desconhecido que tomava forma quando surgia diante de seus olhos.

Jules possuía um sorriso de homem maduro, porém doux. Uma expressão tranqüila desenhava seu rosto, por isso ela não conseguia imaginar que Jules possuísse algum problema, não conseguia pensar em adivinhar quais pensamentos flutuavam em sua cabeça.

Um belo rosto, meio arredondado, castanhos que deslizavam curtos no couro cabeludo. Fecharia os olhos por um instante e dos lábios de Jules poderia ouvir as melhores palavras, boas observações à respeito das coisas da vida. Já havia o batizado com um nome roubado da personagem de um filme especial, ainda construiu um perfil para o outro naquele mundo guardado seu, restava lhe dar um perfume.

O aroma que adormecia na pele masculina de Jules, era algo marcado, um não sei o que, que mesmo criado pela sua imaginação dificilmente esqueceria. Se pudesse dar forma a aquele cheiro seria algo quadrado, mas prazeroso em sentir, agradável, simples.

Levou aos lábios a xícara, o café havia esfriado, seu paladar desaprovou aquele sabor e naquele momento já não lhe servia mais, o abandonou na mesa de centro.

Seus olhos voltaram à parede de verde suave e lá estava pendurado, descansando, o rosto de Jules no quadro sem moldura. Seu defeito era fazer parte de sua imaginação e se fosse real desejava ser a Catherine (Jeanne Moreau) de uma tarde sua.

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