quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A Grande Pedra

Mania dos tímidos de acreditar que o mundo gira ao seu redor. Assim era ele. Silencioso e de imaginação extremamente fértil.

Imaginava, construía um mundo inteiro em sua mente. Entrou em um ônibus no meio da tarde, era uma daquelas tardes escaldantes de sol, quando o ônibus ferve feito caldeirão. Entrou, olhou os rostos de todas aquelas pessoas conversando, e ocupou um lugar vazio. A desconfiança era a sua marca de nascença, como um sinal nas costas, no peito, por todos os lados.

Ali bem próximo, dentro do ônibus havia uma moça. Ela usava óculos escuros, daqueles que cobrem todo o olho e um pouco da testa, os famosos óculos no estilo besourão. Ela cochichava com a amiga ao lado, entre risos discretos. A segunda olhou para ele enquanto ainda mantia o riso de um comentário engraçado.

Cismou. Foi o suficiente para que em poucos segundos escrevesse o roteiro daquela história. Pensava se estava com alguma mancha no rosto, havia acabado de trabalhar com tintas, depois ainda se havia algo errado com seu cabelo. Mas, do que é que estão rindo?Odeio pessoas indiscretas, nem na hora de fazer comentários sobre os outros conseguem disfarçar. Conversava consigo mesmo, acreditava que falavam dele.

Não sabia mais como se colocar ali naquele assento estreito, desviou a atenção para além da janela, naquela idéia de que “o que os olhos não ver o coração não sente”, mas foi inútil. Sua neura só lhe deixou em paz quando ouviu forte o sinal de parada e os passos do salto alto desceram. Relaxou.

***

Era uma amanhã doce, um friozinho agradável passeava pela cidade quando ele deixou a casa para mais um dia de trabalho. Trabalhava em uma loja de CDs, o que era esquisito, pois que, nos tempos em que estamos quem compra CDs?

De vez em quando um ou outro evangélico catando um cd gospel ou uma noveleira de plantão procurando o novo cd internacional da novela global com a Ximenes na capa. Mas, naquela manhã foi diferente.

Uma moça cruzou a entrada a entrada da loja, trajando um vestido e tênis. Dois colegas dele logo se colocaram a disposição para atender a garota, mas apenas um o fez, enquanto ela entre uma palavra e outra lançava uns olhares discretos para o balcão onde estava o nosso personagem.

Ele havia notado a moça e seu tênis xadrez assim que ela atravessou a entrada, mas a pedra, a grande pedra não lhe permitiu observá-la por mais uma vez. Nem percebeu que ela não parava de admirá-lo de longe, enquanto seu colega a atendia com todo o interesse de um rapaz ousado.

Decidiu então por um cd do Nelson Gonçalves, disse que era para seu avô que estava fazendo aniversário, deixou o atendente e foi até ao caixa. Primeiro contato com o tímido do balcão.

Ela sorriu, ele também. Mecanicamente foi registrando a compra da moça e fazendo seu trabalho, com a pedra lhe matando a coragem de dizer um, olá, com mais interesse e naturalidade.

Obrigada! Ela lhe disse com um sorriso agora mais contido e se foi. Ele então pôde observá-la com mais coragem, quando ela já não podia perceber. Seus colegas sem entender nada daquela cena aproximaram-se todos de uma só vez em cima do caixa, perguntavam o que aconteceu, por que ele não aproveitou para conversar mais com a moça do tênis xadrez. A pedra não deixou. Respondeu.

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